domingo, 31 de maio de 2009

Luísa


Música do Post: Luiza (Tom Jobim)

Frase do Post: "Não sei se o mundo é bão, mas ele ficou melhor, desde que você chegou" (Nando Reis)





Segue abaixo um texto que escrevi quando Luísa, hoje com 5, completou 1 ano:

Peraltíssima, deu agora foi para comer minhocas
Dessas minhoquinhas pretinhas e nojentas que começaram a dar o ar da graça lá em casa.
E também algodão
Não aquele doce, que vem nas cores amarelo, verde, rosa
E que até gente grande gosta.
Mas o branco mesmo, sem açúcar, que a gente usa para
fazer curativos e tirar esmalte de unha.
É desse que ela gosta.
Principalmente daquele que fica na cabecinha do cotonete
Ah, aquele ali é imbatível.
Não há bolacha recheada, suco de fruta nem leitinho morninho que
supere a gostosura que é o algodão da cabecinha do cotonete !
Andou perfilando também por entre outros sabores exóticos, entre os quais se sobressaíram, na avaliação de seu apurado paladar _ como é de se notar _ as pomadas de assadura, sabonetes, borrachas de apagar textos e outras variedades de minhocas
Que essas tem mesmo seu lugar cativo.

Não gostou da primeira vez que a levaram para dar de comer às galinhas.
Chorou.
Deve te-las considerado muito barulhentas, bicudas, sei lá o quê
Mas hoje as adora.
Sobretudo aquelas que estão rodeadas de pintinhos.
Digo para ela todas as vezes: você é o pintinho da mamãe e do papai.
Sente-se poderosa quando, na medida em que avança altiva rumo ao galinheiro devidamente protegida, e _ pasme! _ alta no colo de alguma gente grande, as galinhas vão correndo assustadas, de medo dela.

Também adora o poder de pegar nossos dedos e massacrá-los com seus incríveis oito dentes de leite afiados.
A gente diz Ai! Ai! Ai!, e faz aquela cara de dor, e ela ri, ri, ri
Pega de novo o dedo e haja tempo para brincar...
Cachorros também estão entre suas predileções.
Um especialmente, o Frodo
Ele é todo delicadeza com ela
Mas dela... não se pode dizer o mesmo.
Se aproxima dele _ ele dormindo _ e com sua mãozinha
pequena, gordinha e cheia de covinhas apalpa em cheio o pelo do bicho, finca os dedinhos compridos com aquela ânsia exploradora e puuuuuuuuxa.
Aaaaaiii, penso eu.
O bicho acorda assustado e certamente dolorido, olha indignado _ talvez magoado _ para ela e...
Aí é hora de sumir dali com a danada antes que o estrago seja pior.

Quando o pai chega de madrugada, das viagens, é outra novela.
Acho que ela contratou um anjo do bando dela para lhe avisar quando o pai estiver chegando.
Juro que quase os peguei no pulo em altas negociações: ela oferecendo-lhe quatro suculentas minhocas recheadas de algodão e cobertas com camadas extras de pomada em troca de uma espécie de serviço-despertador para os dias em que o pai chega de viagem.
Quando entrei no quarto, deu apenas para ver uma ínfima parte de uma das asinhas do anjo saindo sorrateiramente pela janela
Mas o fato é que a sapeca acorda exatamente uns 5 minutos antes de o pai chegar,
Chora, faz de conta que quer leite, toma o leite.
Normalmente ela dormiria depois do leitinho.
Mas não.
Fica ali fazendo hora. O olho espichadão como duas bolas de basquete escuras.
Paradinha, quietinha, como quem não quer nada, no silêncio sonolento da madrugada
E finalmente, como que coincidentemente,
ele chega,
arrebentado de cansaço, pensando em um sono tranqüilo sem saber que sua filha tem outros planos.
Deitado na cama 3h30 da manhã depois de um dia inteiro de trabalho e quatro horas modorrentas de estrada, ele tenta dormir.
Ela fica olhando, olhando... bate a mãozinha no chão, tamborilando os dedinhos, daquele jeitinho de quem planeja alguma coisa terrível.
Vai engatinhando até a cama, escala a montanha quadrada, escala o pai e finalmente tem o prazer de enfiar o dedo no nariz dele
No olho
Na orelha
Na boca
Puxa o cabelo
Puxa os pêlos das axilas dele
E nada do pai acordar
Quase desiste enfim quando ele, já acostumado, desiste primeiro
E a pega no colo, levanta e lembra que é hora de dormir
Ela dorme em três minutos, agarrada no pai e cheirando o paninho que é seu companheiro de lua e de sol
Era só saudade mesmo.
Quando leva um tombo não há fada encantada que a faça calar o bico
Chora desesperadamente, radicalmente
Mesmo que o tombo tenha sido algo como cair delicadamente de bumbum no chão
E se estiverem presentes, naquele momento, cinco, dez ou vinte pessoas na platéia
Ela vai querer
Certamente,
Passar em todos os colos
em busca do consolo para o tal tombo.
Abraça um e estende os bracinhos para o próximo, fazendo beicinho e cara de sofrimento
Aí tem de pegar, abraçar, consolar e tudo mais
E assim segue numa ciranda que vai terminar alguns minutos depois
com ela já rindo por algum outro motivo ou entediada de tantos colos
e querendo ir logo para o chão desenvolver outras atividades mais interessantes do que
simplesmente chorar no colo de gigantes babões

Porcaria não é uma palavra plenamente definidora do que representa Luísa
ao final do dia.
Joelhos arranhados, meias pretas de sujeira, pedaços endurecidos de sopa grudados no nariz.
Dentes sujos de restos de capim ou nem-quero-saber- o-quê que ela achou
pelo caminho e enfiou na boca escondido.
Digo escondido porque já percebi que
A peralta já tem plena noção de quando está fazendo o que “não pode”
E então faz rápido,
mas tão rápido
que chego a imaginar que se trata, na verdade, de um encantamento promovido por algum gnomo, fada ou anjo sob a coordenação dela (não queria dizer, para não parecer mãe pretenciosa, mas acho que Luísa era líder de algum partido político lá no céu, antes de descer de mala e cuia pra cá).
Só para dar uma idéia, dia desses
no prazo de cinco minutos ela conseguiu
desligar o telefone
mudar o canal da televisão (detalhe: com o controle remoto)
rasgar três revistas novinhas que haviam acabado de chegar
derrubar o restos de sua papinha e esparramá-la no chão e,
de quebra,
amassar e comer parte da prova de um aluno meu que havia tirado 1,5 ponto.
Quando me dei conta do vendaval e a procurei
Lá estava ela sentadinha candidamente no cantinho da sala
Olhando para mim com aquela cara de bebê comportado
Lindamente mastigando uma minhoca
Esta é Luísa
Quase um metro e dez quilos mais setecentas gramas de pura ternura e gênio forte
Cabelos cacheados, branquelinha, jeitinho de anjo barroco
Destesta gente barulhenta
Adora os engraçados que falam manso e baixinho e fazem caretas
Apaixonada por Mozart, que escuta desde
seu terceiro dia de vida
dedinhos delicados e habilidosos que nos fazem
imaginar seu potencial para as artes plásticas
perninhas grossas que adora ver por entre nossos dentes grandes
Escrevo tudo isso como um exercício auxiliar para a minha memória
Para os dias em que ela não for mais esta criancinha
Hoje, quando ela completa seu primeiro ano de vida
Fico me lembrando de quando nasceu
Quando duvidei da minha capacidade de cuidar daquele ser
tão pequenininho quanto um ratinho desamparado
Quando tive medo e me desesperei com a quantidade absurda
de vezes em que ela acordava de noite para mamar ou com cólicas
Mal sabia eu que quem estava cuidando de mim era ela. Sem dúvidas, ela.

sábado, 30 de maio de 2009

Pra começar...

















Música do Post: Paciência (Lenine)

Frase do Post: "E o pulso ainda pulsa..." (Titãs)





_ Vamos ver se entendi – me disse ela muito calmamente postada atrás da mesa do consultório, em seu jaleco branco de susto, lendo anotações que acabara de fazer. Você tem 35 anos – continuou – um marido que mora em Brasília se preparando para o Itamaraty e uma filha de 5 anos. Trabalha nos três turnos para o TJ e a UCG, cuida das tarefas escolares da pequena e de tudo o mais que se refere a ela como, por exemplo, a logística relacionada à responsabilidade de levá-la e buscá-la da escola, balé, natação e – puxou fôlego - administra as tarefas domésticas com a empregada pelo telefone e também as contas das duas casas, a de Brasília e a de Goiânia, e está, “sem saber porquê” sentindo palpitações, tonturas, cansaço, memória fraca, irritabilidade aguda a sons e uma ansiedade incontrolável. É isso?

_ Isso

É, pensei, positivo. Luísa, marido, Brasília, TJ, UCG, blá, blá, é mais ou menos isso mesmo. Confere. Não estava muito afim de pensar. Do pouco que entendi, tava certo.

_ Deve ser mesmo insuportável para você ter de pedir ajuda aos parentes ou amigos para, eventualmente, buscar ou levar sua filha para as atividades porque é você quem deveria fazer isso, não é ? – perscrutou a jovem doutora com um sorrisinho indecifrável.

_ Isso

Mas que perguntinha estúpida ! É claro que tem de ser eu, pensei. Eu a fiz. “Quem pariu o Mateus que o embale”, sempre disse meu sábio amigo Luiz Otávio. E eu ali naquele consultório minúsculo, de cabeça baixa, balançando freneticamente as pernas e pensando muito rápido, muito rápido mesmo sobre a possibilidade de estar sofrendo uma síncope ou morrendo, sei lá, mas ao mesmo tempo de saco cheio daquela perguntação toda. Ora bolas, era tudo muito óbvio. O trabalho, o marido, a filha, as obrigações afetas a tudo isso. Eu já tinha falado de tudo. O que mais aquela mulherzinha de jaleco queria arrancar de mim ?

_ É, querida – ela já havia aferido minha pressão arterial, auscultado meu coração e estava tudo bem – você assistia aos filmes da Mulher-Maravilha? Aquela fortona, que dava conta de tudo, acudia os pobres e oprimidos e encarava todas? Você viu qual o final da série de filmes dela?


Ah, não. Ela só podia estar de brincadeira. Mulher-Maravilha? Eu matei serviço, saí de casa, enfrentei o desastroso trânsito goianiense debaixo de um calor infernal, briguei com meu marido durante o trajeto por causa da calma (ou seria responsabilidade?) com que ele dirige, paguei a consulta para ouvir falar de Mulher-Maravilha?


_ Minha querida – e me tascou dois atestados médicos de nada menos que sete dias, evidentemente um para o TJ e outro para a UCG – o final da Mulher-Maravilha é uma caixa de Rivotril, esse aí, que você toma há mais de 10 anos, como já me disse. O diagnóstico é estafa em alto grau. Repouso absoluto esta semana, ok? Arranje um tempinho para cuidar de você mesma e tente fazer uma terapia, tá, porque acho que isso é comportamental. Chame o próximo, por favor.

Isso foi semana passada, 25 de maio de 2009, 14h33 (está no atestado), consultório 4 do Pronto-Socorro da Unimed, Goiânia. Naquela manhã, eu fazia parte da banca examinadora de um anteprojeto de monografia do curso de jornalismo da UCG, quando uma tontura incontrolável me assaltou durante a apresentação de um aluno. Fui escoltada para casa e, de lá, meu marido achou prudente me levar para o pronto-socorro, considerando que os episódios de tonturas vinham se repetindo na última semana.

Ok, admito. Eu centralizo tudo. Ninguém cuida da Luísa como eu. Nem do Júnior, que é a propósito o meu marido. E as coisas têm de estar no lugar. As almofadas da sala, ai que agonia, eu não posso dormir sem antes colocá-las do jei-ti-nho que elas têm de ficar. Arrumadinhas. Todas as noites eu verifico umas duas ou, vá lá, seis vezes se as portas do apartamento estão trancadas, se os telefones estão funcionando (vai que um morre e não conseguem me avisar), se o despertador está mesmo agendado (vai que eu perco a hora), se Luísa está respirando, se as tarefas do dia seguinte já estão todas agendadas corretamente. Eu preciso, urgentemente, saber se está tudo sob controle. Sob o meu controle.


Deve ser por isso que não deu certo a época em que tentei outros ‘medicamentos’ mais, digamos, naturais. Oh, não. Não pense que era Erva de São João. Era outra erva mas ela me deixava meio... des-con-tro-la-da. Então optei por Rivotril. Tomo 4 mg por dia com Lexapro 10 mg (para crises de ansiedade). Se não tem água por perto, vai sem mesmo. E tenho também Rivotril sublingual de 0,25 mg, para situações mais graves. Fico controlada, seguro o rojão e, claro, engordo. Mas nada disso adiantou semana passada. Nada.
Meu corpo estava exausto, minha mente já não mais coordenava coisa com coisa, eu estava mesmo em frangalhos. A doutora pensou em me aplicar ali mesmo, no pronto-socorro, um diazepam na veia que era para já sair dormindo. Eu não quis.

_ Mas porquê? – me perguntou.


Eu tinha dois bons motivos. O primeiro é que não adiantaria nada. Diazepam, para uma toxicômana legalizada com eu, faria o efeito de água com açúcar. O segundo, e que realmente me aterrorizou, é que, bom, digamos que tenho medo de morrer como Heath Ledger.

_ Heath o quê? – ela me interpelou.





_ Led-ger, o talentosíssimo (oh, que pena!), sexy (ai, que desperdício !) e lindo (ai, que angústia !) ator australiano que morreu no início de 2008 por overdose acidental de remédios. Não posso misturar tudo isso. Vai que eu morro. E, se morro, minha filha só vai herdar dívidas, livros e alguns eletrodomésticos. Já tomo Rivotril e Lexapro. Vamos deixar de lado esse diazepam, que é mais ou menos a mesma coisa (pois já li todas as bulas de todos os remédios que usei, e foram muitos, principalmente naquela parte de “inteirações medicamentosas”, pois, em geral, não confio em médicos, mas em mim).

E foi assim. Eu preciso mesmo fazer uma terapia e, saindo do pronto-socorro já fui logo me afobando porque, ora bolas, à meia-noite? Alguém aí atende à meia-noite? Sim, porque, é só por aí que termino minhas atividades do dia e, detalhe, o consultório precisa ter alguém para ficar com a Luísa enquanto faço a consulta que, por sinal, tem de ter um preço meio simbólico. Foi aí que me lembrei de ter ouvido n’algum momento que essa onda de blogs funciona meio como terapia. Então, taí. Acabo de montar meu divã virtual.