sábado, 30 de maio de 2009

Pra começar...

















Música do Post: Paciência (Lenine)

Frase do Post: "E o pulso ainda pulsa..." (Titãs)





_ Vamos ver se entendi – me disse ela muito calmamente postada atrás da mesa do consultório, em seu jaleco branco de susto, lendo anotações que acabara de fazer. Você tem 35 anos – continuou – um marido que mora em Brasília se preparando para o Itamaraty e uma filha de 5 anos. Trabalha nos três turnos para o TJ e a UCG, cuida das tarefas escolares da pequena e de tudo o mais que se refere a ela como, por exemplo, a logística relacionada à responsabilidade de levá-la e buscá-la da escola, balé, natação e – puxou fôlego - administra as tarefas domésticas com a empregada pelo telefone e também as contas das duas casas, a de Brasília e a de Goiânia, e está, “sem saber porquê” sentindo palpitações, tonturas, cansaço, memória fraca, irritabilidade aguda a sons e uma ansiedade incontrolável. É isso?

_ Isso

É, pensei, positivo. Luísa, marido, Brasília, TJ, UCG, blá, blá, é mais ou menos isso mesmo. Confere. Não estava muito afim de pensar. Do pouco que entendi, tava certo.

_ Deve ser mesmo insuportável para você ter de pedir ajuda aos parentes ou amigos para, eventualmente, buscar ou levar sua filha para as atividades porque é você quem deveria fazer isso, não é ? – perscrutou a jovem doutora com um sorrisinho indecifrável.

_ Isso

Mas que perguntinha estúpida ! É claro que tem de ser eu, pensei. Eu a fiz. “Quem pariu o Mateus que o embale”, sempre disse meu sábio amigo Luiz Otávio. E eu ali naquele consultório minúsculo, de cabeça baixa, balançando freneticamente as pernas e pensando muito rápido, muito rápido mesmo sobre a possibilidade de estar sofrendo uma síncope ou morrendo, sei lá, mas ao mesmo tempo de saco cheio daquela perguntação toda. Ora bolas, era tudo muito óbvio. O trabalho, o marido, a filha, as obrigações afetas a tudo isso. Eu já tinha falado de tudo. O que mais aquela mulherzinha de jaleco queria arrancar de mim ?

_ É, querida – ela já havia aferido minha pressão arterial, auscultado meu coração e estava tudo bem – você assistia aos filmes da Mulher-Maravilha? Aquela fortona, que dava conta de tudo, acudia os pobres e oprimidos e encarava todas? Você viu qual o final da série de filmes dela?


Ah, não. Ela só podia estar de brincadeira. Mulher-Maravilha? Eu matei serviço, saí de casa, enfrentei o desastroso trânsito goianiense debaixo de um calor infernal, briguei com meu marido durante o trajeto por causa da calma (ou seria responsabilidade?) com que ele dirige, paguei a consulta para ouvir falar de Mulher-Maravilha?


_ Minha querida – e me tascou dois atestados médicos de nada menos que sete dias, evidentemente um para o TJ e outro para a UCG – o final da Mulher-Maravilha é uma caixa de Rivotril, esse aí, que você toma há mais de 10 anos, como já me disse. O diagnóstico é estafa em alto grau. Repouso absoluto esta semana, ok? Arranje um tempinho para cuidar de você mesma e tente fazer uma terapia, tá, porque acho que isso é comportamental. Chame o próximo, por favor.

Isso foi semana passada, 25 de maio de 2009, 14h33 (está no atestado), consultório 4 do Pronto-Socorro da Unimed, Goiânia. Naquela manhã, eu fazia parte da banca examinadora de um anteprojeto de monografia do curso de jornalismo da UCG, quando uma tontura incontrolável me assaltou durante a apresentação de um aluno. Fui escoltada para casa e, de lá, meu marido achou prudente me levar para o pronto-socorro, considerando que os episódios de tonturas vinham se repetindo na última semana.

Ok, admito. Eu centralizo tudo. Ninguém cuida da Luísa como eu. Nem do Júnior, que é a propósito o meu marido. E as coisas têm de estar no lugar. As almofadas da sala, ai que agonia, eu não posso dormir sem antes colocá-las do jei-ti-nho que elas têm de ficar. Arrumadinhas. Todas as noites eu verifico umas duas ou, vá lá, seis vezes se as portas do apartamento estão trancadas, se os telefones estão funcionando (vai que um morre e não conseguem me avisar), se o despertador está mesmo agendado (vai que eu perco a hora), se Luísa está respirando, se as tarefas do dia seguinte já estão todas agendadas corretamente. Eu preciso, urgentemente, saber se está tudo sob controle. Sob o meu controle.


Deve ser por isso que não deu certo a época em que tentei outros ‘medicamentos’ mais, digamos, naturais. Oh, não. Não pense que era Erva de São João. Era outra erva mas ela me deixava meio... des-con-tro-la-da. Então optei por Rivotril. Tomo 4 mg por dia com Lexapro 10 mg (para crises de ansiedade). Se não tem água por perto, vai sem mesmo. E tenho também Rivotril sublingual de 0,25 mg, para situações mais graves. Fico controlada, seguro o rojão e, claro, engordo. Mas nada disso adiantou semana passada. Nada.
Meu corpo estava exausto, minha mente já não mais coordenava coisa com coisa, eu estava mesmo em frangalhos. A doutora pensou em me aplicar ali mesmo, no pronto-socorro, um diazepam na veia que era para já sair dormindo. Eu não quis.

_ Mas porquê? – me perguntou.


Eu tinha dois bons motivos. O primeiro é que não adiantaria nada. Diazepam, para uma toxicômana legalizada com eu, faria o efeito de água com açúcar. O segundo, e que realmente me aterrorizou, é que, bom, digamos que tenho medo de morrer como Heath Ledger.

_ Heath o quê? – ela me interpelou.





_ Led-ger, o talentosíssimo (oh, que pena!), sexy (ai, que desperdício !) e lindo (ai, que angústia !) ator australiano que morreu no início de 2008 por overdose acidental de remédios. Não posso misturar tudo isso. Vai que eu morro. E, se morro, minha filha só vai herdar dívidas, livros e alguns eletrodomésticos. Já tomo Rivotril e Lexapro. Vamos deixar de lado esse diazepam, que é mais ou menos a mesma coisa (pois já li todas as bulas de todos os remédios que usei, e foram muitos, principalmente naquela parte de “inteirações medicamentosas”, pois, em geral, não confio em médicos, mas em mim).

E foi assim. Eu preciso mesmo fazer uma terapia e, saindo do pronto-socorro já fui logo me afobando porque, ora bolas, à meia-noite? Alguém aí atende à meia-noite? Sim, porque, é só por aí que termino minhas atividades do dia e, detalhe, o consultório precisa ter alguém para ficar com a Luísa enquanto faço a consulta que, por sinal, tem de ter um preço meio simbólico. Foi aí que me lembrei de ter ouvido n’algum momento que essa onda de blogs funciona meio como terapia. Então, taí. Acabo de montar meu divã virtual.

14 comentários:

  1. O mundo dos blogs acaba de ganhar um dos melhores textos que eu conheço!
    Viva a Pat e seu mundo maravilhoso!!!!
    Amiga, no bom sentido, vc é sim, a Mulher Maravilha!!!!

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  2. Acho que estamos bem próximos da Nora Ephron brasileira!!!
    Eu não posso estar pertinho de vc todos os dias (pois, ao contrário de vc, eu estou tenho responsabilidade com os filhos dos outros), mas pode continuar escrevendo pq a gente tá lendo!!!
    Amo vc!!!

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  3. É amiga canceriana, conheço muitíssimo bem essa mania de centralizar tudo, cobrar-se perfeição em tudo, estar sempre disponível para todo mundo e no final terminar exausta e doente. E posso afirmar, sem medo de errar, que se você parar de achar que o mundo só gira se você estiver girando a manivela dele e permitir que o universo siga o próprio fluxo dele, aceitando que o imponderável faz parte da vida e que não podemos contralar nada (a começar de nós mesmos) tudo ficará melhor. É assustador, mas também libertador. Amamos você como é. Não queremos uma Pat perfeita. Só queremos uma Pat feliz ;)
    Um grande beijo, Fabes

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  4. Pat, meu amor!Depois de muita terapia e 20mg de Lexapro por dia, alcancei a tal liberdade mencionada pela nossa querida Fabricia. Descobri o verdadeiro sentido das palavras simplicidade, familia e AMOR. A vida e uma so, mana! Me manda seu telefone atraves do meu site, que a gente precisa trocar uma idea. Beijos em voce, Caju e Luisa!!!!!! (www.lovefirstphoto.com)
    Muita paz, amor e saudade!!!!
    Thais
    P.S Desculpa ai, mas meu teclado nao tem acento.

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  5. OI, Paty!!!!!!! Talvez se eu tivesse um pouquinho da sua locura, seria um pouco mais normal... Bom, nem sei que eu quis dizer com esta frase... Beijos e saudades.

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  6. Ah, sou eu Ana Paula Assis...

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  7. Gente... Só vc msm, Pati!
    Ai q saudade q me dá dessas observações sarcásticas...! E q saudade q me dá de ter alguém q me entendia nas minhas observações sarcásticas!
    hehehe
    Bjo da JU

    http://www.pesadelosdeumadesignerinsone.blogger.com.br/index.html

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  8. Galera, valeu pela força. Não deixem de me visitar sempre. Isso tá me fazendo um grande bem. Será que vou ficar viciada ? Ai meu Deus, vai dar "pobrema"...
    BJS muito agradecidos mesmo
    Paty

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  9. Você me prende à leitura do começo ao fim... e viva essas benditas pílulas aí!

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  10. Oi Patrícia tenho acompanhado seu blog,e nesse texto me lembrei muito de você quando estava no tribunal. Nunca tinha lido seus textos na primeira pessoa, adorei.

    Um abraço
    www.julianafaleiro.blogspot.com/

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  11. Oi Profe... aqui é a Mariana denovo, só que com o blog oficial ^^ Ameeeeiiiii esse texto. Percebi que foi aquele vez em que vc faltou alguns bons dias de aula por causa do seu "piriri". Mas acho fantástico a forma como vc se expressa e expõe, na íntegra, seu dia-a-dia, problemas que enfrenta, sobretudo o que pensa sobre seus próprios problemas. Vc nasceu para a escrita e nós agradecemos pelo maravilhoso "blog-desabafo" (espero que essa "terapia" esteja funcionando). bjus ETERNA MULHER-MARAVILHA ;*

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  12. Que delícia encontrar seu blog! E o repouso? Funcionou? kkkk - tenho mania de fazer perguntas para as quais a resposta é óbvia hehehehehe
    beijos

    Nilce

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  13. KKKKKKKKKKKKKKK, PATY, VC É DEMAIS...
    AMEEEEEEEEEEEI ESSE TEXTO.

    VC NÃO É DEMAIS-PORQUE TUDO QUE É DEMAIS SOBRA, E TUDO QUE SOBRA É RESTO! DE RESTO VC NÃO TEM NADICA DE NADA.

    VC É ESPECIAL COMO SEMPRE.
    BEEEEEEEEEEEEIJU

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  14. Papini, obrigado por mais esta aula de jornalismo inteligente. Seu blog já faz a diferença.

    Moacir Cunha Neto

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