sábado, 30 de janeiro de 2010

O essencial



"A vida é o que acontece enquanto fazemos planos" - John Lennon

Morei a vida toda em casa. Com um quintal modesto, uma goiabeira e um pé de capim-cidreira para aqueles dias irritados. Na garagem, só cabia o carro do meu pai, muito apropriado, aliás, para sua receita. Uma televisão que quase diariamente era motivo de briga entre meus três irmãos e eu. Um banheiro para todos. A mesma comida, o suco de limão na mesa do almoço.
E, naquela época, eu sonhava em morar em apartamentos. Ah, eu achava essa coisa de apartamento muito cosmopolitana, e eu mesma sempre me achei muito cosmopolita, novidadeira, do tipo que não suporta esse papo de acampamento, trilha, banheiros desconfortáveis, luz do luar. Confesso: eu sempre olhei para a lua achando que ela é, apenas, uma ... lua? Algo redondo e branco, por vezes amarelado, nada demais. A lua sempre foi algo simples para mim como uma folha, de árvore ou de papel, não importava.
E então, já grandinha, mamãezinha, me mudei com muita satisfação para o primeiro apartamento da minha vida. Este onde hoje moro. E, diferentemente do lar onde cresci, são três banheiros, duas televisões, fora o computador e etecetera...
Oh, eu tinha o céu, e não sabia. O capim-cidreira arrancado fresquinho para um chá que minha mãe me fazia quando eu inventava medo de monstros, e isso não posso dar para minha filha, pelo menos não com aquele charme. Se for, vai ser no estilo sachê, bem casual.. Bem cosmopolita. Ninguém briga por televisão porque cada uma tá no seu canto: meu marido no computador e eu numa televisão - ou vice-versa - e minha filha na outra. E todos sozinhos. E há comida - congelada - para vários gostos e horários porque a gente esquenta na última hora, quando sobra tempo, no microondas. Então cada prato vai ao estilo do freguês, de acordo com o que houver na geladeira e, ah, é refrigerante para beber ou, no máximo, suco de polpa da fruta, que é menos difícil. Limão é azedo e gasta-se tempo para fazer seu suco.

Onde foi que estive da última vez que coisas simples e com disciplina me faziam mais alegre e segura ? Até quando vou negar isso para minha filha ? Negar essa educação tão necessária e tão simples, com horário certo para dormir, "0u come o que tem no prato ou não come nada", coisas assim? Porque dou-lhe a negligência educacional como troco pela minha ausência em casa causada pelo excesso de trabalho em busca do pote de ouro no fim do arco-íris ? E a gente tá careca de saber que, no final, era só cereal... Que momento parei, meu Deus, para falar sobre os dez mandamentos com ela? Eu não me lembro. Não houve esse momento. Não houve tempo porque eu estava fazendo o quê mesmo? Ah, correndo atrás do tal pote de ouro.


Sabe de uma coisa, minha gente? Ultimamente tem me dado uma vontade estranha de parar. Parar de correr atrás de nem sei o quê para enfim viver. Parar-tudo-agora-e-respirar. Respirar profundamente como se numa ioga com 24 horas de duração. Olhar para a lua, por tempo in-de-ter-mi-na-do. Acampar e sentir a brisa batendo no meu rosto em algum lugar de frente para um riacho. Ver minha filha colhendo flores do campo, brincar de bem-me-quer com ela e ter tempo de ensinar-lhe a respeitar a natureza e levar bem a sério alguns códigos morais, a maioria deles extraídos da Bíblia que leio assim, esporadicamente. Ter um pomar e fazer sucos de frutas fresquinhas, experimentando novos sabores. Aprender a fazer uma colcha de retalhos e ter paciência para isso. Andar descalça, plantar um pé de laranja-lima, procurar joaninhas, fazer bolo de fubá e servir com cafezinho, dormir na grama em dia de sombra, beber muita água e todos , absolutamente todos esses clichês. Todos mesmo, inclusive o indefectível “assistir ao pôr do sol sentada na varanda”. É que a vida anda mais citadina do que eu queria. Muito trânsito, muito relógio, muita agenda, muitas janelas com grades. E nada. Nada, nada, nada de viver a vida.

Oh, traga-me um chocolate quente ! Encomende um dia frio, um livro, e me traga um cobertor para partilharmos e umas conversas bem interessantes dos nossos antepassados ! Ou um dia de sol com rede, mangueira pra jogar água na meninada, gelatinas de muitas cores e um suco de limão estupidamente azedo e gelado. Traga-me, sobretudo, um abraço apertado e demorado, sem horário marcado, e traga-me calma. Pois estou em apuros nesta cidade, no oitavo andar de um apartamento cheio de tecnologia mas inapto à uma plantação de capim-cidreira !

10 comentários:

  1. Que gostinho de infância em cada linha do seu texto magnífico, amiga!!! Uma viagem no tempo! E vc tem razão, precisamos nos entregar às coisas simples da vida! Viver!! Me fez lembrar também das férias em acampamentos ano após ano( uma paixão do meu pai, vejam só, aquele homem tão conectado às tecnologias sempre amou as aventuras em contato com a natureza!!). E são lembranças ricas que guardamos num lugar tão gostoso do coração!!! Beijo!!!

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  2. E eu que achava que esse sonho era meu, único, exclusivo. Seu pé de capim-cidreira é meu! Lindo texto!

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  3. Que bom que as férias acabaram e você está de volta... E acho que esta vontade de ter menos e de viver mais é o nosso grande desafio, que vamos construir com uma horta suspensa em um apartamento, com uma tarde de folga e com a certeza de que estamos fazendo o nosso melhor. Bjos!

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  4. Pathy, chuchu, você é meu número. Como é que a gente faz para parar? Quero tanto, há tanto tempo! A questão é que não me considero nobre o suficiente para conviver com a cobrança de não me adaptar ao sistema tão habituado a correr atrás do pote de ouro mesmo sem conseguir enteder porque corro tanto atrás de algo que já não tem mais o valor de outrora. Saudades suas, compartilho seus sonhos! Estou feliz que tenha voltado!

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  5. É, bendito seja o café de hoje! Melhor ainda, ver vc e ter de volta seus textos. Um grande abraço! Sirey.

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  6. Patrícia, vamos para o mato agora! Brincadeiras à parte, também sinto falta de gastar um bom tempo em trivialidades. Os personagens de cinema, exceto os trágicos ou extremamente práticos, têm tempo para contemplar as pequenas belezas, viver grandes romances, transitar entre diferentes mundos... e ainda continuam bem sucedidos. Morte a todos eles!

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  7. A REVOLTA DOS TALHERES
    Indignados com os constantes maus tratos, um armário revoltoso convoca os garfos, colheres, facas, panelas... Juntos, preparam uma armadilha para se vingarem da perversa Patrícia Coração de Bronze Pappini. Sabedores de que a perversa Repórter e Dona de Casa sempre os tratou com indiferença e rispidez, posicionaram-se nas gavetas do indefeso armário de modo a impedir que qualquer uma delas fosse aberta. Ao ouvirem os gritos de "cadê a faca, os copos", apesar de tensos, ficaram firmes para enfrentar a ira e a força descomunal daquela vilã. Ao tentar abrir as gavetas e não conseguir, bradou: "ABRE-TE SÉZAMO!" "Se as palavras não resolvem, eu resolvo na porrada!" E ao dizer essas palavras, puxou com violência uma das gavetas que, caprichosamente mirou os dedinhos delicados de Pappini. Pappini, apesar de não no Planetário, viu estrelas de todo tipo. Como prêmio de consolação, faltou alguns dias ao trabalho...

    Com açúlar e com afeto,

    Fifo Muniz

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  8. Amiga, adoro os seus posts!!!! Entao, acabei de fazer um photoblog. aparece la www.lovefirstphoto.com/blog
    estamos chegando ai no dia 20 de julho e vai ter desta la na casa da minha mae!Pra turma da faculdade, ta ligada? Beijos, saudades

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  9. Oi Patrícia,

    Com excessão do pé de capim-cidreira, dos seus 3 irmão (eu tenho 2) e dos 3 banheiros no seu apartamento (no meu tem apenas 1), posso dizer que essa história também é minha.
    É o que eu sempre digo: o ser humano é (quase) sempre previsível. E eu, assim como vc, às vezes tenho vontade de jogar tudo pro alto e ir viver em uma oca lá no meio da selva amazônica só para levar a vida da maneira como ela deve ser levada: com simplicidade.

    Lindo o seu texto. Reflete alguns aspectos do que penso sobre a vida que levo hoje.

    Amei! Voltarei sempre!

    Um beijo

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