terça-feira, 23 de junho de 2009

Oh, querida ! Pra longe de mim...

Música do Post: “Tô fraca, tô fraca, tô fraca, tô fraca” (galinha d'angola – a ave mesmo)

Frase do Post: “Seja quente ou seja frio. Não seja morno, que eu te vomito” (Apocalipse, cap. 3, vers 16)





Oh, como são legais ! Boazinhas, ajustadinhas, falam baixinho, pausadamente, te chamam de “queridinha”, sempre sorrindo daquele jeitinho ensaiado e amarelo. Rã-rã-rã. É assim que elas riem, sem nem prestar atenção ao porquê de estarem rindo. É automático, diplomático. E só. Educadíssimas, parecem ter sido talhadas para a vida social. Ai como são controladas, constipadas, bem apanhadas, com todos os fios do cabelo impecavelmente no lugar ! Eu não. Despenteada, minha raiva é um furor altamente destrutivo. Meu amor machuca suas vítimas. Eu não trabalho, sou um trator. Não durmo, quase levito, quase morro. Não como, devoro. Não tenho medo, mas pavor. Não penso, na verdade conspiro, confabulo, teorizo. Não sei sorrir, dou gargalhadas e faço xixi nas calças. Não testei, mas é bem possível que minha fé remova montanhas. E não, não sou educada. Sou gente. E trato as pessoas como são. Gente.
“Mas as pessoas da sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer”, como diriam os Mutantes. Elas não se permitem isso e se consideram ponderadas, mas prefiro chamá-las de fracas. Fraquíssimas. Precisam da estrutura montada, adequada, apropriada, quadrada, para se sentirem protegidas. Precisam do muro, para ficar em cima dele. Precisam das horas contadas, dos diálogos ensaiados previamente no espelho, devem até marcar a hora de fazer o amor. Seus filhos são planejados, elas tem dinheiro na poupança e previdência privada. Andam por aí com uma sacola de elogios. “Que lindinha sua filha, gordinha né ? Sinal de saúde ! Rã-rã-rã”, “Que escândalo ficou seu cabelo, meio zebra com essas listras louras e castanhas ! Rã-rã-rã”, “Doente? Coitadinha, mas aí você vai poder assistir à Sessão da Tarde, né? Rã-rã-rã”. Ô risinho insuportável !
Valha-me Deus, como são enfadonhas, patéticas, essas gentes ! Andam pela vida como se numa gincana, a segurar pela boca uma colher com uma maçã na ponta. Quem chegará primeiro? E a maçã não cai. E a maçã não cai mesmo, de jeito nenhum, porque essas pessoinhas são jeitosas, cuidadosas, equilibradas. Não como eu, que tomo Rivotril e arrumo minhas almofadas da sala no lugar para, desleixada, não ter de ajeitar o que está desarrumado dentro de mim. É... porque tenho desarranjos mesmo. Sou gente. Tenho angústias, fobias, desespero, cismo com coisas tolas, me engano com pessoas , erro muito, sonho em como vai ser minha vida se ganhar na mega-sena, faço e falo asneiras.
Mas essas pessoas não. Previdentes, desconfiam de tudo e de todos. Não correm riscos. Não tem amigos, porque é caro tê-los. Exige respeito, humanidade, autenticidade e, sobretudo, coragem. E pessoas fracas não sabem o que é isso. Não sabem que força não é não ter medo. Não é ser previdente. Força é assumir posições – e como isso é difícil (!) - e defendê-las se for preciso. Força é, sendo humano, enfrentar o medo; sendo doente, medicar-se; sendo frágil, pedir ajuda; sendo gente, ser gente.
"Ah, não, mas está tudo bem comigo. Meus filhos são os melhores da escola, não sabem o que é cárie nem pneumonia, meu marido é trabalhador e honesto, minha família é uma propaganda de margarina. E meu cabelo é liso de verdade". E quando chegam em casa, arrastando o velho sapato de marca reformado incontáveis vezes, está tudo errado. As almofadas da sala também estão bagunçadas, os filhos são uns pentelhos cheios de manias estranhas, seus maridos já desistiram delas e não há margarina na geladeira, porque engorda. Elas caminham em direção ao banheiro para desfazer a maquiagem mas não se esquecem, contudo, de abrir sua confiável agenda e marcar hora no cabeleireiro para a escova progressiva.
Oh, querida, a vida não é uma gincana. Quanto tempo perdido em mentiras e fantasias quando tudo poderia ser compartilhado ! Experiências, vivências, expectativas ! Você leva a vida de um jeito morno que me embrulha o estômago.
Oh, queridinha, minha filha tem uma letra horrível e toma aerosol desde os 9 meses, eu quase morri de pavor quando ela nasceu porque aquilo tudo era muito difícil pra mim. Nem por isso me sinto menor. Meu marido ronca demais e me chateia muitas vezes. Nem por isso o acho menor. Eu mesma sou uma mulherzinha muito da insuportável que o aporrinha com essas frescuras de esposinha-pequeno-burguesa. Nem por isso somos menores. Estou vivendo de um jeito muito vivo e verdadeiro. O sol continua ardendo, as crianças nascendo, os idosos morrendo, as vacas dão leite e os porcos chafurdam na lama. As pessoas nas ruas fazem planos. Fazem planos deitadas em suas camas enquanto esperam o sono chegar, fazem planos o tempo todo, fazem planos dentro das igrejas e contam para Deus. E todas vão vivendo de um jeito verdadeiro. Pelo menos aquelas com quem gosto de me relacionar.
Aonde você pensa que chegará nessa pose ridícula, segurando uma colher na boca com uma maçã na ponta? Com quem, pensa bem, com quem você está competindo? Não gosto de gincanas. Sempre roubei as maçãs maiores e as mais vermelhas e as comi sem medo de ser pega em flagrante porque assim esse simples pecado se tornava sempre mais prazeiroso...

11 comentários:

  1. É, eu sempre quis saber onde elas arranjam tempo... Eu estou mesmo com cabelo meio zebra: preto e branco. Tenho duas taturanas sobre os olhos, meu cabelo tá igual bandido ideal, tem que viver preso. Já acordo com uma liga na mão, vai que o marido resolve acordar de madrugada, junto comigo,e morre de infarto?? Quero ficar viuva não. Basta minha pantufa de pato peludo que ele me deu e meu gato corre de medo!!! Eu sempre penso como conseguem ficar impecáveis ao final do dia? Eu sempre estou descabelada na primeira hora do dia!!! Tenho dois cafés da manhã: um em casa (porque eu adoro preparar café da manhã) e outro no trabalho só pra ter quinze... trinta... minutinhos de conversa fiada com minha funcionária. Eu acho que é a imperfeição das "GENTES"é que faz a vida ser boa. Ah, e minha geladeira não tem margarina, tem manteiga de "leche"!!!

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  2. Bom é viver de verdade, é ouvir verdade e se saber verdadeiro, né? Mesmo com a tinta no cabelo, as almofadas no lugar e os sentimentos pulando para fora do peito o tempo todo! Bjos!
    P.S. A letra do meu filho também é horrível!

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  3. Pathy, xuxu, adorei. Lí, de uma vez, todas as suas postagens. Vc é ótima, vou vir te visitar sempre, assim, faço terapia contigo, afinal, amor, EU PRECISO!

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  4. Quer saber? Não tenho mais tempo e nem saco pra esses tipos! Mas não se avexe não que isso de quando em vez aparece pra atrapaiá o recinto. Tenho uma receitinha ótima pra afastar isso: um vaso de arruda, espada de são jorge e pé de pimenta na porta de casa! Se não funcionar...aí é só com formicida tatu e vidro moído....rsrs

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  5. Lí esse texto e visualizei alguém que conheço Queridaaa!!!
    kkkkkkkkkkk

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  6. Me fez lembrar daquele quadro do pintor belga René Magritte - Son of man... Para quem não lembra ou não conhece, segue o link http://www.artinthepicture.com/artists/Rene_Magritte/

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  7. kkkk! Magnifique!Pat, só você mesmo para conseguir descrever tão bem as pessoas!!!Beijuuuss da Mônica (eu não consigo postar com link...aaaff)

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  8. Me deculpe a expressão mas, eu tô de saco cheio de gente assim... Afff... Falei!

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  9. Sabe, eu cancei de rir de volta...rã,rã,rã nunca mais!!!!!!!! Último sábado acabei mandando uma mulher margarina tomar no CÚ! Assim mesmo sem nem azeitar... Foi a melhor sensação que eu tive em MUITO TEMPO!!!!
    De agora em diante eu quero rir de verdade, igual a Luísa!!!!! Aquele risada DELICIOSA!
    Beijo
    Carol

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  10. É porque você vive. Muitos, apenas passam pela vida ou deixam a vida passar. Também gosto de ser assim, de viver o 8 ou 80, sem me preocupar com as medidas, apenas em viver.
    Ah, seu texto está cada vez melhor.
    Beijos.
    Ana Cláudia

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